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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

1967 "Já existe a escola de amanhã" - Revista Realidade-Ed. Abril - Fev. 1967 pág 98/108

Revista Realidade 03/ 1967     
















                Quase três mil jovens paulistas estudam num novo tipo de ginásio onde tudo é diferente: não há exames, viaja-se muito, quase não há aula, e até a cola é livre. Trata-se de uma experiência fascinante que cinco anos e os educadores de todo o Brasil acompanham com muita esperança.

"Já existe a escola de amanhã" Texto de José Hamilton Ribeiro – Fotos de Geraldo Mori

A Escola do futuro já existe
 
                    O deputado João Afonso, de 15 anos aproxima-se do balcão e começa a preencher um cheque, quando se lembra de alguma coisa. Chama o gerente do banco, dois anos mais novo que ele, e faz uma consulta:
-  Eu vou-me embora o ano que vem, mas quero manter minha conta aqui. Qual é o mínimo que preciso deixar?
-Noventa cruzeiros.
-Quer ver meu saldo, por favor?

Um atendente vai ao arquivo, anota a quantia num papel e entrega a João Afonso, que faz umas contas e acaba de preencher o cheque. Troca-o por uma ficha, e passa a aguardar a chamada do caixa, um menininho loiro, que não terá mais de 12 anos de idade. O gerente puxa conversa:
-Então, deputado, será que o novo governador vai fazer muita coisa?
-Espero que sim. Sua equipe apresentou um plano de ação bem estudado e está com vontade de trabalhar.
O caixa chama seu número, o deputado João Afonso vai ao guichê, confere o dinheiro (mil e novecentos cruzeiros), coloca na carteira,  despede-se do gerente e sai apressado.
Isto não é teatro infantil. É apenas uma cena comum na vida diária do Ginásio João XXIII, de Americana, um dos cinco ginásios vocacionais que o governo do Estado de São Paulo vem mantendo, há cinco anos, experimentalmente. Toda a técnica pedagógica empregada é moderna. E essa é uma delas: aprender fazendo.

O banco é um banquinho de verdade, com mais de dois milhões de cruzeiros em depósitos; o deputado é um deputado de verdade, no governo estudantil do Ginásio João XXIII. João Afonso retirou todo o dinheiro que tinha porque vai embora: formou-se. A conta aberta no banco será o último vínculo material que o ligará a uma instituição onde passo quatro anos movimentadissímos, e de onde ele nem queria sair. No começo da ultima série, até ameaçou relaxar nos estudos para tomar bomba e poder ficar mais um ano. Mas mudou de idéia a tempo e chegou à ultima entrevista com a orientadora educacional, que ia aconselhá-lo sobre os rumos a tomar na vida:
-João, a sua ficha é clara como água. Se você puder, procure entrar para uma escola de aviação...
-Ganhei, professora! Ganhei uma aposta com meu pai. Eu sabia que era isto que a senhora ia me dizer.
O Serviço do Ensino Vocacional no Estado de São Paulo foi criado quando era Secretário da Educação um homem de empresa, sr. Luciano Vasconcellos de Carvalho (Exposição-Cipper). O sistema teve cinco anos para provar que é bom, e o prazo terminou no ano passado. Agora, o governo medirá os resultados a fim de decidir se vai abrir novos ginásios, para ampliar o ensino vocacional pelo Estado todo ou encerrar a experiência, por não acreditar em sua eficiência.
Escola que ensina a estudar
Nos quatros anos de ginásio, o aluno aprende muita coisa, mas principalmente aprende a estudar. A escola vocacional é diferente das outras em tudo. Não tem nota, nem exame, nem matérias isoladas. Nem tem aula, se a gente pensar naquela situação de um professor falando do alto de sua mesa para 40 alunos distante. Seu objetivo não é apenas a escolaridade intelectual promovida pelos ginásios comuns. A meta é desenvolver a personalidade do aluno, ajuda-lo a descobrir o ramo de atividade para o qual tem aptidão e prepara-lo para enfrentar um mundo difícil e em permanente modificação.
O ginásio funciona o dia todo, com classes de 30 alunos, mistas. De preferência com igual número de meninos meninas. A convivência faz nascer amizade entre eles. E às vezes a amizade vai mais longe, como relata o jornalzinho Gaveta, da primeira série (entre 10 e 12 anos) do Ginásio Vocacional do Brooklin, São Paulo:
“ O Sérgio (1ª série C), confessou em voz alta que gosta da Maria Inês (1ª B). aliás, ela já namorou o Carlos Alberto (1ª C), o Luis (2ª B), e o Gil (1ª C), e confessa também que agora gosta do Sérgio. A Maria Inês diz que quando está ao lado dele fica barbaramente nervosa.”
O jornalzinho é uma atividade promovida e orientada pela área de Português, mas observada e consultada por todas as outras áreas (área é uma matéria ou grupo de matérias afins). Assim, a noticia sobre os namoros de Maria Inês chamou a atenção da orientadora e trouxe um bom tema para Educação Sexual, que é apresentada com naturalidade em todas que é apresentada com naturalidade em todas as séries, de acordo com o interesse e a maturidade dos alunos.
O aproveitamento das classes é testado pela bateria, uma espécie de prova onde a consulta é livre: o aluno pode recorrer ao que quiser – anotações, cadernos, mapas e livros. A única exigência é que faça com seu próprio esforço. Não importa que erre.
Os cinco ginásios vocacionais em funcionamento estão localizados em Batatais, Barretos, Rio Claro, Americana e São Paulo (Brooklin). Cada um tem um programa de estudo adaptado à sua cidade fundada por americanos, os alunos de primeira série podem começar o ano estudando a Guerra de Secessão do Estados Unidos. Enquanto isso, no ginásio de Batatais, os mesmos alunos de primeira série estão iniciando as atividades em volta de um quadro de Portinari: o pintor nasceu na região (Brodósqui) e deixou muitas obras espalhadas pela cidade, já em Barretos tudo pode ter seu começo numa fazenda, à beira de um curral de zebus.

Pai também vai a aula


O ensino segue a técnica dos círculos concêntricos. Os garotos não dão saltos no vazio, mas passam a estágios de conhecimento deslizando naturalmente de estágios anteriores bem mastigados. Às vezes o método não é compreendido. No meio do ano passado, um pai cuidadoso apareceu no ginásio vocacional do Brooklin e procurou a diretora:
-    Olha, dona Tomires, não é que eu duvide do gabarito da escola. Mas meu vizinho tem um filho na mesma série do Junior, e eu andei examinando, ele sabe mais coisas de Matemática que o meu menino. Estou preocupado, a senhora sabe, será que o Junior passa no vestibular depois?
Não era o primeiro pai que estranhava a Matemática moderna do vocacional. O caso foi discutido em conselho e decidiu-se fazer um cursinho intensivo para os pais.  Apareceram 240, que ganharam até diploma e aprender por que suas crianças às vezes parecem mais atrasadas que outras, em determinadas matérias: elas mastigam mais, para digerir melhor.
O ano escolar é dividido em bimestres, e em cada bimestre há uma nova unidade de estudo. A primeira unidade é o próprio ginásio vocacional. Todas as áreas preparam seu programa a partir dessa fonte.

Eles aprendem a fazer, fazendo.


-Vocês já viram o Diário Oficial? É este jornal aqui. O exemplar que está em minha mão é do dia 27 de junho de 1961, uma data histórica para nós. Nesse dia, o ginásio vocacional começava a existir, por força de um decreto do governador do Estado. Todos os documentos oficiais saem no Diário Oficial, e, assim, este jornal acaba sendo uma das grandes fontes para conhecimento da vida do país.
É o professor de Historia falando, integrando sua matéria na unidade escolar. O professor de Geografia, ao perguntar à classe como é o caminho para o ginásio, começa a dar-lhe noções de relevo e topografia. Outro professor, pedindo-lhe para calcular a distancia entre suas casas e a escola, introduz as primeiras noções de Matemática.
O primeiro bimestre é um exercício de conhecimento mutuo. Os alunos descobrem o ginásio e adaptam-se a seus métodos; os professores conhecem os alunos, seus gostos, condições familiares e problemas. Então o ritmo começa a apertar. Ao fim do segundo mês, cada classe já esta organizada em cinco ou seis equipes de trabalho, segundo uma técnica chamada sociograma, em que cada membro do grupo completa o outro e onde de descobre e se incentiva a liderança. Ninguém recebe dever para fazer em casa. A equipe, sim, tem tarefas, que podem ser resolvidas no ginásio mesmo. Os membros da equipe estudam seus problemas juntos, primeiro sob a orientação do professor, depois fiscalizando-se a si próprios.

Um caso de namoro


Dona Olga, orientadora educacional, recebe uma queixa:
-O Jaime, da segunda série C, anda negligente, dispersivo, e todo o trabalho da equipe está sendo comprometido com seu comportamento.
A orientadora consulta vários professores, conclui que o menino tem algum problema e o procura:
-Então, Jaime, que há com você? Dizem que está meio desanimado,  não se dedica mais, anda calado. O que houve?
- Não é nada, dona Olga.(Olga Bechara)
-Vamos, rapaz. Nós sempre nos entendemos tão bem.
O menino cede. Esta com problemas de convivência na equipe. Dois colegas, Pedrinho e Lucas, andam fazendo piadinhas a respeito de seu namoro com a Dirce. Isto o deixa tão amargurado que ele não pode nem ver a cara dos outros dois. E propõe que eles sejam afastados da equipe. Dona Olga analisa a situação junto com Jaime. Mostra-lhe que a solução apontada é uma ato de força. O que está havendo é uma falta de consideração de Pedrinho e Lucas para com os colegas Jaime e Dirce, e ele precisa reagir construtivamente.
-Fale com eles – sugere dona Olga.Vá calmo, mas decidido: a razão está do seu lado. Diga que pensou no assunto e que estão errados; seja enérgico e mostre-se disposto até a uma briga. Depois de tudo isso você vem aqui e me conta o resultado.
Jaime, depois de uma conversa “homem para homem” com os dois colegas, esclareceu a situação e ainda saiu fortalecido: ganhara o respeito de Pedrinho e Lucas, sem perder a namorada. Às vezes, porém a incompatibilidade numa equipe é mais profunda, e só se resolve com a transferência de alguns membros para outras equipes. Em casos extremos de desajustamento, promove-se a matricula do aluno em outro ginásio.

A técnica de aprender fazendo


Maria Helena era um terror. Doze anos, magrinha e feia, não ficava mais de uma semana em cada equipe: brigava logo. Não rendia em nenhuma área e nem havia grupo que a suportasse. A orientadora educacional levou quase um ano para encontrar a solução: Educação Física. A professora de ginástica, agindo segundo um plano traçado com a orientadora e outros professores, fez de Maria Helena a líder da matéria. Ela escalava os times, fiscalizava os horários, tomava conta do material e muitas vezes até apitava os jogos.  E, passando a canalizar toda sua energia para o que gostava, começou a acertar no resto. Não brigou mais com ninguém, ajeitou-se numa equipe e chegou até a ser disputada por outras. É, agora, ótima aluna, com um sonho: ser professora de Educação Física.
O trabalho em equipes, a técnica de aprender fazendo, o estudo do meio e a execução de projetos  tornam o ginásio um local ativo e movimentado. Já na primeira série os alunos começam a fazer: meninos e meninas de 10 a 12 anos são encarregados do funcionamento da cantina – muito freqüentada na hora do recreio.
Orientados pela área de Práticas Comerciais, enquanto tomam conta do estabelecimento, eles vão recebendo, sem sentir, aulas de Matemática – cálculos, juros, operações comerciais; de História – como surgiu o comércio no mundo, que paises cresceram à custa dele; Português – redigir relatórios e prestações de contas; Geografia – que alimentos são encontrados na região, que tipo de solo favorecem o crescimento dos cereais utilizados na cantina; Ciências – conservação de alimentos, combinação de elementos que entram na fabricação dos refrigerantes; e assim por diante.
Nem sempre tudo corre bem. No ginásio de São Paulo, o professor de Práticas Comerciais descobriu que um dos encarregados do caixa da cantina, logo no primeiro mês, tinha avançado no dinheiro. Discutiu a questão com a orientadora e, dentro do espírito de autodisciplina que o ginásio procura despertar nos alunos, ficou resolvido que só a própria equipe responsável pela própria cantina deveria tomar uma decisão. Simultaneamente, o professor de Práticas Comerciais entrou com as aulas de balancetes, explicando-lhes que qualquer descuido financeiro apareceria no fim do mês. O plano deu certo. Antes mesmo que os outros descobrissem, o aluno faltoso procurou os companheiros e contou suas dificuldades. O dinheiro foi reposto pela equipe e no fim do mês o balancete apresentado à orientadora estava certinho. Mesmo assim, havia uma surpresa para os meninos:
-Nós soubemos que, por falta de controle, vocês tiveram dificuldades com o caixa. Isto é normal, uma vez. E quem erra uma vez, aprende a acertar para sempre. Não vamos fazer rodízio de equipe na cantina este mês. Vocês vão continuar com ela e verão que manter o caixa em ordem é fácil.
A equipe sentiu-se muito importante, com isso e o menino conseguiu reabilitar-se totalmente.

Jovem formado no vocacional vê a vida sem medo


-          Dona Glória, não agüento mais fingir. Vou estourar com meu pai.
E contou tudo. O pai queria um jurista na família, e conhecendo o sistema do vocacional, orientava o menino para que desse certo seu encaminhamento para a Faculdade de Direito.
A orientadora tranqüilizou-o e prometeu conversar com seu pai. Hoje, Luis Carlos é um dos melhores alunos numa escola técnica em São Paulo.
Uma pesquisa feita sobre o primeiro ano de atividade dos ex-alunos revelou que os jovens encaminhados aos cursos indicados no laudo vocacional, são alunos acima da média, interessados e estudiosos. Os que forma matriculados em cursos contra-indicados pelo laudo são alunos abaixo da média ou,  quando muito, regulares.

Uma crise política


A medida em que os ginásios vocacionais vão-se tornando conhecidos, uma situação nova ocorre: os pais se consideram meio donos das escolas. Discutem programas, cotizam-se para consertar janelas ou comprar instrumentos e até fazem cursos. Benedito Luis Fonseca, que tem filhas no vocacional,  afirma:
-          Ser pai de aluno nesse ginásio dá mais trabalho que estudar nele.
-         
O arquiteto Pedro Torrano, da diretoria de Obras Públicas, fez o projeto do ginásio vocacional de Rio Claro em dois meses, trabalhando nele noite e dia.
-          E isso – diz ele – não é só porque tenho um filho no ginásio, não. É que também sou um apaixonado pelo sistema, e acredito nele.
Em meados do ano passado, um movimento de pais de alunos impediu que o Serviço de Ensino Vocacional fosse envolvido pela roda da política. O secretário da Educação quis matricular um protegido que não havia sido classificado no exame de seleção no ginásio de São Paulo, onde anualmente aparecem 1.500 candidatos, para 120 vagas. A direção da escola negou-se e foi destituída pelo secretário. A Associação de Pais e Amigos do Vocacional não aceitou a situação. Fez várias assembléias, sensibilizou todo o Estado e conseguiu fazer o secretário voltar atrás. Durante o período de crise (quase um mês), os próprios alunos se encarregaram das atividades escolares. Os da quarta davam aulas para os da terceira série, estes para os da segunda, os da segunda para os calouros.
As classes funcionam o dia todo, das 8 as 5 da tarde. Professores e alunos, almoçam e tomam lanche no próprio ginásio. Os professores pagam suas refeições. Os alunos que podem pagam o preço normal ou até um pouco mais, se a isso se dispõem. Os que não podem não pagam e, às vezes, gozando bolsas de estudo que o ginásio consegue com empresas comerciais e industriais, até levam dinheiro para casa.
O ano escolar começa mais cedo e termina mais tarde, mas nas férias não são menores que as dos ginásios comuns, porque há uma semana de folga no meio do primeiro semestre, e outra no segundo. As férias dos professores são menores. Eles aplicam três semanas delas para atualizar métodos, planejar aulas e analisar atividades. Durante as aulas, tiram um sábado por mês para acompanhar projetos. Uma vez por semana realizam junto com a direção e os orientadores o Conselho Pedagógico, em que se estabelece a integração das unidades escolares nas várias áreas e se organizam os locais para o estudo do meio.

Professores de nível universitário

O ensino é integrado; isto significa que, na semana em que o professor de Matemática ensina razões e proporções, a área de Artes Industriais ensina escalas e medidas utilizadas nas construções: a de Práticas Comerciais ensina juros e percentagens; a de Ciências ensina fórmulas químicas; e assim por diante.
Todos os professores tem nível universitário e, antes de lecionar no ginásio, fazem um curso de três meses para se adaptarem ao método.
-          Entrar no vocacional é fácil – diz uma jovem professora de Barretos. Mas só consegue ficar mesmo quem tem muito amor para dar.
Dona Maria Nilde Mascellani é a coordenadora do Serviço do Ensino Vocacional e dirige a experiência desde o começo. A idéia nasceu da observação de duas classes experimentais que ela ajudou a criar no Instituto de Educação de Socorro, em 1958. filha de pai brasileiro e mãe austríaca, trabalha dezoito horas por dia mas tem sempre um sorriso juvenil no rosto. Sua mãe, dona Margarida, comenta: “Essa ai é que nem bicicleta: precisa estar correndo para ficar de pé. Se tira férias de uma semana que seja, aparece doença de todo lado.”
Dona Maria Nilde acha que São Paulo precisa resolver seus problemas de educação não só em quantidade de salas de aula, mas também só é possível com o preparo de uma nova mentalidade no professor e uma modificação na estrutura de ensino. Em sua opinião, o ginásio vocacional fez estas duas coisas e procura preparar o estudante para uma situação ajustada à realidade de nossos tempos e de nosso país. A pedagogia moderna do vocacional busca eliminar as maiores falhas do ginásio comum, principalmente estas:
1 – Ensino acadêmico e palavroso, sem contato com a realidade; 2 – falta de unidade entre as matérias; 3 – sistema de promoção que ignora as diferenças individuais e coloca todos os adolescentes numa mesma bitola de capacidade; 4 – a distância entre a escola e a família; 5 – educação com objetivo puramente intelectual, quando é necessário haver uma educação mais ampla, que envolva educação moral e cívica, religiosa, estética, estética, física e de iniciação profissional.
E os resultados, segundo dona Nilde, são animadores:
-          O ginásio vocacional não profissionalizam seus alunos, mas nosso formandos terão maiores oportunidades de conseguir emprego, trabalharão naquilo que gostam e serão ótimos profissionais.
Dona Maria Nilde tem grande esperança no novo governo de São Paulo – “um governo sabidamente renovador”, diz ela. –(não entendi) em grandes perspectivas para o ensino vocacional, principalmente abertura de novos ginásios em cidades que já os solicitaram e instalação do 2° ciclo (algo mais que Clássico e Cientifico). Tudo vai depender do julgamento que os assessores de
Educação do novo governador fizerem dos primeiros cinco anos de funcionamento. Uma das restrições é a de que o ensino vocacional fica mais caro para o Estado de que o sistema secundário comum. Dona Nilde raciocina:
-Talvez fique. O vocacional funciona o dia todo e mantém oficinas, ateliês, plantações, laboratórios e viagens. O que, naturalmente, custa dinheiro. Mas o importante é que, nos colégios vocacionais, nossos filhos recebem uma educação que realmente os prepara para a vida e os torna mais úteis ao país. E isto não tem preço...

Governo estudantil, um exercício de democracia


Em Batatais, o tema de estudo da quarta série foi “Condições de Saúde e Habitação no Mundo de Hoje”. E quando buscaram uma aplicação prática do que haviam estudado, os alunos descobriram que sua cidade ainda não tinha estação de tratamento de água. Fizeram um plano, encaminharam à Prefeitura e agora a estação esta sendo concluída.
A execução de projetos é outra técnica dôo colégio vocacional. No começo do ano,  cada aluno escolhe um projeto que quer ver realizado. O ano passado, um grupo de Americana instalou uma estação de rádio completa, dentro da área de Artes industriais. Uma equipe de São Paulo quis montar um computador eletrônico e está trabalhando nisso. Conjuntos de teatros e de música (inclusive ié-ié-ié) existem em todos os ginásios. Um deles, os ticos, de São Paulo, adaptaram o Pequeno Príncipe para o teatro e dizem, animados:
-Nós vamos ser a jovem guarda do TUCA. E também chegaremos a Europa...
O grupo de Batatais, no fim do ano, montou a peça mais comentada de todas: um ato de esperança na juventude do mundo, escrito por eles mesmos, chamado A Terra é Azul.

Alunos elegem o governo


As matérias dividem-se em três grupos: Cultura Geral, Iniciação Técnica e Práticas Educativas. Entre estas ultimas, uma recebe muito destaque: a Educação Social Moral e Cívica, que procura fazer do aluno um elemento integrado nas relações com a família, a comunidade e o pais. Nesta área, a técnica mais incentivada é a do governo estudantil.
O primeiro  instalado, alguns dias na frente do de Batatais, foi o governo estudantil do ginásio de Americana. Através de eleições, os alunos elegem governador e deputados, tal e qual um regime democrático adulto. O Legislativo faz as leis, o Executivo aplica, o Judiciário vigia os dois. Todas as Secretarias de Estado funcionam. A da Fazenda mantém um banco do governo, inspetoria fiscal e coletoria. A da Agricultura, através de sua seção experimental, vendeu no ano passado mais de 100 mil cruzeiros de verduras e agora esta criando coelhos. Sua maior realização. Porém, é o posto meteorológico. Todo dia, Às 11 horas, a rádio de Americana anuncia: “Previsão do tempo, segundo dados  fornecidos pelo Serviço de Meteorologia da Secretaria de Agricultura do governo estudantil de Americana...”
A Secretaria de Educação, entre outras coisas, edita um jornal – o Diário Oficial do governo. E a Secretaria da Segurança mantém uma polícia própria (os escoteiros). Muito solicitada quando há eleições ou excursões.
Atuando no governo estudantil, os alunos exercitam todas as artes da política, inclusive as jogadas e manobras eleitorais. Houve eleições me dezembro, para governador, vice-governador e deputados. Cláudio Rosa Gallo, da terceira série, magrinho e sabido, era um dos candidatos a governador. Dois dias antes das eleições, seus assessores fizeram um levantamento e verificaram que a situação de Gallo não era boa. Tinha menos de 40% dos votos. Era preciso fazer alguma coisa com urgência.
Gallo sabia que o governador em exercício não tinha muita simpatia pelo outro candidato, mas também não sabia se lhe daria apoio oficial. Pediu audiência, trancou-se numa sala com o governador e, no outro dia – véspera das eleições – circulou por toda a escola com um manifesto de apoio à candidatura Gallo, assinado não só pelo governador, como por todo o secretariado. Resultado: foi eleito com mais do dobro dos votos do adversário.
-Está certo – diz ele. O maior poleiro é sempre para o Gallo.
As matérias de Cultura Geral – Português, Matemática, Ciências, Estudos Sociais e Inglês ou Francês – são obrigatórias nos quatro anos. As matérias de Iniciação Técnica – Artes Industriais, Artes Plásticas, Práticas Comerciais, Práticas Agrícolas e Educação Doméstica – só são obrigatórias nas duas primeiras séries. Na terceira série, os alunos podem escolher duas dentre estas cinco ultimas, e se desobrigar das outras. As Práticas Educativas – Educação Física, Musical, Social, Moral e Cívica, Religiosa, Familiar, Artística – seguem durante os quatro anos.
O fim do curso, o aluno recebe um laudo vocacional que lhe indica as profissões para as quais tem aptidão. O laudo se baseia em três pilares:
1- a folha de observação do aluno, onde são anotados, de dois em dois meses, todos os dão
dos da sua vida escolar;
2- os testes psicológicos feitos a partir da primeira série, com provas de inteligência, aptidão e interesse; e
3- os projetos realizados e as escolhas feitas na terceira e na quarta série. A folha de observação contém anotações de duas naturezas: a) análise psicológica do aluno; b) análise da escolaridade – resultado de baterias, apreciação do interesse e da aplicação do estudante em cada  área.
Ao fim de cada ano, a promoção ou reprovação, vai depender das anotações da folha de observação, que é analisada em conjunto por todos os professores. Levam-se em conta, também, fatores de ordem pessoal que possam ter influído no rendimento do aluno.
João Alberto, por exemplo, foi promovido este ano, apesar de ter andado mal em algumas áreas. A orientadora explicou na reunião:
-Este menino é de família pobre e inculta. Seu pai acaba de abandonar a casa e o estado emocional de João Alberto é instável. Reprova-lo será talvez, prejudica-lo irracionalmente. Proponho que seja promovido e que na segunda série seja bem acompanhado nas áreas em que está mais fraco.
Todos concordaram.
Nas duas ultimas séries o ensino é dedicadamente orientado segundo as inclinações de cada um. E no fim do curso, o jovem recebe o certificado de conclusão do ginásio com o laudo vocacional, que pode ser assim:
“É um talento para laboratório, tem muita sensibilidade para fenômenos científicos. Aproveitamento insuficiente em Geometria e Português. Deve ser encaminhado para curso de Química.”

Os pais precisam compreender


É nesse momento que entra em ação a compreensão ou incompreensão dos pais:
-Eu queria que meu filho fosse o que não pude ser: médico. Agora o ginásio diz que devo matriculá-lo numa escola agrícola. Então meu menino não pode ser doutor?
No ginásio vocacional de São Paulo, onde os alunos são de classe média para alta, a compreensão dos pais é grande: 80% deles encaminham os filhos para os cursos indicados na ficha escolar. Em algumas cidades do interior, entretanto, a maioria dos pais resiste à orientação do ginásio. O caso do menino Luiz Carlos é um exemplo.
Testes psicológicos, gráficos de aproveitamento e observações dos professores provavam que ele tinha aptidão para matérias técnicas, práticas. Mas em tudo o que dependia dele – projetos, entrevistas e escolhas – a conclusão era outra: queria ser advogado. Só na quarta série, poucos meses antes de acabar o ano escolar, Luis Carlos foi à orientadora.


Estudar o meio é conhecer, em contato direto com a realidade, o que se deve aprender. Este ano, no ginásio de São Paulo, o estudo do meio da área de Português da primeira série foi uma pesquisa sobre a Academia Paulista de Letras. Os estudantes visitaram o prédio, assistiram a uma sessão literária, entrevistaram o presidente, viram que livros escreveram os paulistas e aprenderam muita coisa de literatura. Após cada estudo do meio, os alunos devem entregar ao professor um relatório com suas impressões. Sobre a visita à Academia, Maria Ângela da 1ª série C, escreveu: “Quando crescer, quero ser romancista. E pretendo escrever muitos livros bacanas. Mas duvido que aqueles velhinhos me aceitem na Academia deles.”
A área de Estudos Sociais repartiu as classes em três grupos e levou cada um a um dos três poderes do Município: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Na volta, em assembléia geral, enquanto cada equipe contava como trabalham o prefeito, os vereadores, os juízes, o professor aproveitava para ir explicando a interdependência que existe entre os três poderes.

Uma nova jovem guarda


Os locais de visita não são escolhidos ao acaso. Os professores discutem antes; e, depois, procuram extrair dos alunos as opiniões que interessam em cada área. Assim, um local escolhido especialmente pela área de Ciências, serve também às de Geometria, Inglês, Práticas Comerciais e outras áreas. O estudo do meio deve acompanhar a evolução de cada ano escolar. Na primeira série, as pesquisas não feitas na própria cidade. Na segunda, quando se estuda o Estado, os alunos viajam para o litoral ou centros industriais, praias e portos, estabelecimentos comerciais e agrícolas. Na terceira, quando o centro de interesse é todo o país, as pesquisas podem ser feitas até em outros Estados. Na quarta série é o mundo que esta em foco e a visão que cada aluno adquire é testada num trabalho de observação direta dentro da própria comunidade, de modo que todos sintam que tem um papel a desempenhar na sociedade.


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